terça-feira, 5 de março de 2013

De Valdomiro a Forlán


Por Ciffero de Parvalho

Valdomiro / Valdomiro-Forlán/ Forlán

Os mais jovens não podem lembrar, a não ser que recorram à história. Quem tem mais de 40 certamente lembra. Valdomiro Vaz Franco.

A camisa nº 7 do Sport Club Internacional, nos idos de 1970, tinha dono. No início, Valdomiro era pouco reconhecido. Depois, muito. Chegou à seleção e, em um lance memorável, porque salvava o Brasil da desclassificação na Copa de 74, enfiou, no cantinho  – “em um misto de cruzamento e chute”, diziam as más línguas –, aquele gol contra o Zaire (sim, Zaire, ou Congo, local de onde provém, por essas armadilhas do destino, o clube que não conseguimos bater, trinta e tantos anos depois, em um jogo pelo Mundial de Clubes).

Não imaginam os jovens de hoje como é ver, quase quarenta anos depois, um lance daqueles. Não imaginam porque o tempo não lhes deu ainda a benção da perspectiva histórica. O jovem não conhece integralmente o poder de síntese de uma imagem, de um drible, de um golo.

Mas falemos prospectivamente: imagine você aí, que era um guri de 15 anos em 2006, como se sentirá ao ver, em 2036, os golos do Internacional na primeira Libertadores que vencemos. Para ficarmos na esfera semântica deste sítio, imagine, meu jovem, ver o golo do Renteria contra o Nacional daqui a 30 anos no sofá de sua casa. Tenha em mente que, além do golo, agora mera imagem, talvez não estejam ao seu lado os que lhe ensinaram a amar o clube – pai, mãe, avô ou avó. Em trinta anos ceifam-se muitas almas. O futebol, porém, fica – e é um vínculo.

Depois de Valdomiro, a camisa 7 dormiu em berço esplêndido por quase vinte anos. Somente com Fabiano, nos anos 90, tivemos alguns flashbacks, especialmente nos 5 x 2 com que fustigamos um certo clube porto-alegrense. Fabiano, em seus devaneios, era bem mais debochado que Valdomiro. O futebol já era outro, e permitia giros maiores pelo gramado. Valdomiro ficava preso ao flanco direito e dali pouco saía. Cruzava bem, muito bem. Sabem quem colocou aquela bola na cabeça de Figueroa no título Brasileiro de 1975? Mais do que isso: sabem quem cobrou as duas faltas, convertendo uma delas, que nos deram o título de 1976?

1975 (com narração de Celestino Valenzuela)



1976 (com narração de Celestino Valenzuela)



Nos anos 1970, os jogadores permaneciam no clube por mais tempo. Valdomiro ficou doze anos consecutivos no Internacional. Criava-se, à época, outra espécie de intimidade entre torcida e jogador. Até mesmo a imprensa tinha com os atletas relação diferente. Celestino Valenzuela, grande narrador do futebol gaúcho, chamava Valdomiro, não raro, de Valdô. E não se tratava de economia verbal, pois, naquele tempo, o narrar também era diferente, dispensava o atropelo, a pressa hodierna. Não havia o enxerto das estatísticas, não havia repórteres engraçadinhos ou simplórios. Lembro-me até hoje de Celestino narrando: “Carpegiani... [Pausa de três segundos] Falcão... [Pausa de outros três segundos, até a bola chegar ao próximo jogador] Valdomiro...”. O tempo do jogo era outro. O narrador apenas identificava, pelo nome, quem estava com a bola, e a audiência completava o silêncio com a sua própria atenção e inteligência. Hoje não se pode calar por um segundo: logo nos apresentam uma estatística inútil, uma enquete estúpida ou uma tirada sem graça de algum repórter ou comentarista.
Celestino Valenzuela
Bueno, os tempos são outros, enfim. E hoje nosso camisa 7 é Forlán. Fez-se até a entrega, pelas mãos de Valdomiro, da Camisa 7 a ele. Assistindo aos golos que o camisa 7 uruguaio fez contra o Esportivo nesse 3 de março de 2013, senti-me de novo em casa. Mas não era Valdomiro que estava lá. Era, vejam só, um charrua. E os charruas foram excelentes guerreiros...

Forlán é, simplesmente, o maior artilheiro da história da Celeste. Seja pelo tempo acelerado em que vivemos, seja pela idade que tem, dispõe de um ou dois anos para mostrar a que veio. Nesse último jogo, acendeu-se uma luz: passado e presente integraram-se, de fato e na memória de muitos colorados. Que venha o futuro.


Psicograficamente,
CdP

BENZADEUS! (Le Ruque-Raque Blogue & The Black Tape Project)

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