Por Ciffero de Parvalho
Há clara distinção entre pensar racionalmente e pensar magicamente. Quem conhece os motivos pelos quais Luiz Felipe Scolari foi de novo alçado ao cargo de técnico do escrete nacional sabe que o pensamento mágico tomou as rédeas da situação: a vitória em 2014 seria magicamente decorrente da conquista de 2002.
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A mágica da cartolagem [bônus #1 do Henze] |
Na esteira desse pensamento, tenho ouvido “pérolas”. Há pouco, circulando pela nossa Capital, tive de tomar um táxi na Rodoviária, rumo ao Salgado Filho. Eis que o motorista do veículo perguntou-me: “O senhor gostaria de ir pela Farrapos ou pela Castelo Branco?”. Disse-lhe eu: “Vamos pela Castelo Branco”. Recebida a autorização para fazer a corrida mais longa, notei além do sorriso de lucro no rosto do rapaz, uma felicidade incontida ao passar em frente da Arena Playmobil — felicidade que se materializou nas seguintes palavras: “Aqui está o estádio da Seleção...”. Respondi-lhe de pronto: “...Que não ganha nada há anos, por sinal”. E assim ficamos, por alguns instantes, sob a luz da ambiguidade de minha frase, que, como a dele, tanto valia para a Seleção Brasileira quanto para o time do bairro Humaitá. A seguir, por uma questão de urbanidade — esse rebento da civilização —, falamos um pouco de nossos times, eu apontando os pontos fracos do meu, e ele, os pontos fracos do dele...
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O Batatal Humaitá e a Copa [bônus #2] |
A frase do taxista ingressa naturalmente naquilo que chamamos de “senso comum” (aliás, os taxistas são de fato portadores da prerrogativa de falarem o óbvio. Não que sejam burros; é que criar altercação com o cliente não é algo inteligente). O “senso comum”, todavia, muitas vezes repugna ao pensamento mais elaborado. Chamar a equipe do pijama de três cores de “Seleção” beira o rídiculo... Essa frase, jocosa, segundo a qual, com a ascensão de Scolari ao comando, também ascenderiam à titularidade do selecionado nacional os jogadores de seu gosto imediato (isto é, em tese, jogadores gaúchos, ou de estilo gaúcho, preferencialmente os de seu clube do coração), reflete, ademais, não só o pensamento mágico, mas certo revanchismo, qual seja, o relativo à natural exclusão a que nós, gaúchos, somos submetidos quando o assunto é futebol. Sobre o tema, basta evocar duas entidades, CBF e Globo, as quais de fato primam pela manutenção de um estado de coisas favorável, em grande medida, ao futebol do centro do País, especialmente Rio e São Paulo.
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CBF & Globo Ltda.: RJ + SP = Brasil [bônus #3] |
Assim, o gaúcho, ao ver Felipão no comando, sente-se menos lesado. Sente-se, digamos, partícipe do imbróglio, pois o técnico passo-fundense goza de muito mais representatividade do que seu antecessor. Felipão, por sua vez, também não se faz de rogado e, apostando fundo no populismo, convoca, mais do que ninguém, jogadores de sua terra. O pensamento mágico, destarte, tanto vai como vem: povo e treinador alimentam-se mutuamente com generosas porções de magia. A última novidade desse cardápio foi a convocação de Moledo. Sobre isso, falo eu, a seguir, na condição de colorado.
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O passo é fundo... [bônus #4] |
Ora, Moledo não está pronto ainda para a seleção. Acho-o um zagueiro promissor, mas que ainda não atingiu aquela condição de segurança esperada de um beque (para sentidos secundários desse termo, consultar meu amigo Henze, versado em cigarros e assemelhados). Não posso abdicar da minha racionalidade e, repentinamente, aplaudir sua mágica convocação. Pelo contrário, lamento-a, tanto mais que, no clube, o zagueiro fará falta, assim como fazem Forlán e Damião. Não temos recursos, não temos “gordura a queimar”. Todos os nossos jogadores são essenciais, sejam eles bons ou apenas razoáveis. Nossa reposição não é confiável.
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Cane Nabis, vulgo Cannabis, o cão de Nabis (rei de Esparta, c. 200 a.C.) [bônus #5] |
Em resumo, sou, hoje, em escala caseira, contrário à convocação de Moledo. Prognosticamente, e em escala nacional, antevejo a derrocada de nosso ludopédio em momento e local anterior ao Maracanã, esse reduto paquidérmico daquele que já foi o melhor futebol do mundo.
Lucidamente,
CdP