Por Ciffero de Parvalho
Ilustração: Henze Saci
Não raro, a direção de um clube de futebol é objeto de ambições de toda ordem: figurões da sociedade, novos ricos, puxa-sacos contumazes e arrivistas em geral vêem, no esporte bretão, oportunidade para fazer valer seu ideário, sua Weltanschauung (visão de mundo).
Tenho reiterado, às vezes de maneira enfadonha para mim mesmo apenas ¾ pois não causo enfado aos outros ¾, que o pensamento mágico é um dos males que está por detrás da ocupação dos cargos do antigo Clube do Povo por mentes muitas vezes financeiramente ricas, intelectualmente pobres e, conseqüentemente, “bem posicionadas” no estrato social porto-alegrino (atentar no neologismo, que, a par de soar irônico, evita indevida remissão a termo não proferido por colorados de bom senso). Em certa medida, bem sei, essa ocupação é inevitável, pois, em meio capitalista, como é hodiernamente o meio ludopédico, não é de se esperar que humildes torcedores, ainda que com boas idéias e politicamente bem articulados, venham a derrotar os abutres reinantes, que voam mais alto por sobre o Guaíba há muito tempo, portanto com experiência, e bem alimentados de toda espécie de carniça, mormente a descartada por Euricos, Joões, Ricardos e Andrés.
Administrar o chamado Clube do Povo, que talvez já não o seja tanto assim, é tarefa em certa medida árdua, pois demanda tempo e dedicação. Ninguém, contudo, é ingênuo a ponto de pensar que o exercício de tal administração se dê graciosamente. Alguma recompensa há, no mínimo a da retroalimentação do prestígio social. Fiquemos nela, para não ferirmos contabilidades: O sujeito entra no comando do clube e recebe, na pior das hipóteses, só por estar ali, ainda que inerte, o poder de levar ao microfone de meios poderosos (ainda que em grande medida jecas, meros repetidores de uma matriz também jeca e vicariamente cosmopolita) o seu palavrório (para uma análise profunda do termo, ver a expressão “Das Geredete”, cara a certo pensador alemão). Ouvidas essas almas que ocupam o comando, retira-se de seus depoimentos, em geral, um extrato que, quantificado em unidades de sentido, remonta a nada. Ab asino lanam, diziam os romanos: Não busque lã em um asno.
Difícil, dificílimo diria eu, é a torcida prestar atenção ao panorama do comando do clube acima traçado quando o time está bem (favor atentar na distinção “clube x time”). Quando o time está bem, os diretores do clube são logo esquecidos, quando não louvados. Esquece-se de tudo em prol do prazer advindo do título, do novo caneco na sala de troféus ¾ e textos como este não prosperam...
Ciffero de Parvalho, porém, não é um oportunista. É, antes, um torcedor. Mas um torcedor provido de humor e de plena consciência do ridículo. Ridículo que traz em seu próprio nome, ao homenagear, com o cômico, dois dirigentes “vencedores” (as aspas são uma alusão ao uso do termo em sua faceta cultural norte-americana, isto é, como contraposição a losers). É preciso que os vencedores desçam do pedestal, que abdiquem do Carnaval, do samba-enredo. E que seus sucessores façam algo semelhante, agora, imediatamente. A história e o tempo são dinâmicos, e não há clichê administrativo que dure para sempre.
Retome-se, enfim, o humor, e com a ele a humildade de trabalhar sério, de não brincar com a emoção de quem torce. O torcedor é figura nobre: dedica horas a fio de sua vida a suprir a absurdidade da existência com o mundo ficto das quatro linhas. E isso não é pouco. Demanda, no mínimo, a vontade de estar vivo quando o mundo real em derredor muitas vezes desmorona. A humildade e o humor nos manterão vivos, mesmo quando pulhas ludopédicos, sem lógica, sem respaldo de título algum, abandonados pelo acaso e pela fortuna que foram, coitados, entupirem-nos com suas sandices, pensando que do outro lado da linha somente haja asnos como eles.