terça-feira, 30 de abril de 2013

57 horas

Algumas mentes administrativas centram seus argumentos em números, como se eles, números, fossem garantia de alguma coisa, de um bem-estar eterno, de um controle automático e “científico” do mundo circundante. No esporte bretão (também conhecido como futebol, pedibola, ludopédio, bolapé, podosfera ou balípodo), não é diferente. Hoje, há estatísticas para tudo: quanto tempo o perna-de-pau ficou com a bola durante o jogo, quantos passes errados deu durante os 32 minutos e 49 segundos em que esteve em campo, quantos golos marcou na última temporada etc. Esses dados importantíssimos são repetidos ad nauseam nas transmissões hodiernas, mormente naquelas da principal transmissora do País, detentora, no futebol, de direitos que nem mesmo o maior dos senhores sonhou ter sobre seus escravos no tempo em que havia escravidão involuntária (hoje, voluntária). (Para adentrar o tema dos princípios da Comunicação Social, recomendo a leitura dos artigos 221 e 223 da Constituição).
Ora, se o analista de futebol que baseia seus argumentos em números é, como diriam meus avós, “um chato de galochas”, não há porque não sê-lo eu próprio apenas uma vez, já que, em geral, brindo meus leitores com textos agradabilíssimos... Falemos, portanto, desse fetiche dos cidadãos anais de todo o mundo: os números. Mas não em seu sentido primeiro, pitagórico. Fiquemos no nível instrumental, isto é, no nível utilitarista e raso com que as animálias das estatísticas ludopédicas, em geral mentes rasas, tanto se comprazem. Pausa para a ciência:
“As características essenciais do Transtorno Obsessivo-Compulsivo são obsessões ou compulsões recorrentes suficientemente graves a ponto de consumirem tempo (i. é, consomem mais de uma hora por dia) ou causarem sofrimento acentuado ou prejuízo significativo. Em algum ponto durante o curso do transtorno, o indivíduo reconhece que as obsessões ou compulsões são excessivas ou irracionais. (...) No curso do transtorno, após repetidos fracassos em resistir às obsessões ou compulsões, o indivíduo pode ceder a elas, não mais experimentar um desejo de resistir, e incorporá-las em suas rotinas diárias.” (DSM-IV, 300.3. Cortesia: Clínica Psiquiátrica Dr. Parvalho). 
Vejamos, primeiramente, no principal certame do balípodo nacional, e, mais especificamente, no que diz respeito ao Internacional, os efeitos dos números sobre o clube em si e sobre seus torcedores (a análise que farei, não obstante, serviria a qualquer clube da Primeira Divisão). O primeiro número que salta aos olhos de qualquer criança é o que dá título a este pôsto (versão portuguesa para o inglês “post”. O circunflexo é essencial para caracterizar o caráter substantivo do termo, em oposição ao indicativo do verbo postar, “posto”, cujo primeiro “o” é aberto. Ver Reforma de 1943, que ainda sigo em alguns aspectos). Refiro-me ao número 57. Ora, como já dissemos, qualquer débil mental percebe que esse número deriva do simples ato de multiplicar 90 (número de minutos de um jogo) por 38 (número de rodadas do Campeonato Brasileiro), que totaliza 3420, número total de minutos em campo de qualquer clube no citado campeonato, e que, convertido em horas, transforma-se em 57 (3420/60). 
Certamente, dirão alguns, para um cálculo mais abrangente, seria necessário computar também os 570 minutos de intervalo, ou 9,5 horas, decorrentes dos habituais 15 minutos que separam a primeira da segunda etapa no esporte podosférico (15 x 38 = 570; 570/60 = 9,5). Assim, além das 57 horas em campo, teríamos outras 9,5 horas de intervalo ao longo do ano. Não satisfeito com isso, algum discípulo de Chatotorix poderia aduzir: “E os minutos de desconto ao final do jogo? Você não vai computar os minutos de desconto no seu cálculo?”. Cedamos, em nome da ciência, a essa criatura, acrescentando ao cálculo os 3 minutos em geral concedidos pelo árbitro ao final do segundo tempo: 3 x 38 = 114. Pelo bem da aritmética, arredondemos esse número para 120, ou duas horas. Chegamos, então, a um novo número: 57 + 9,5 + 2 = 68,5 (arrendondemos para o sagrado 69). Considerando, por fim, que, para o torcedor, haja um dispêndio mínimo de pelo menos uma hora por jogo com o pré e o pós-peleia, percebemos que o envolvimento com o clube passa de 69 para 107 horas (69 + 38) anuais. Frisemos que esses números valem apenas para o torcedor que assiste a todos os jogos de maneira razoavelmente comedida. Em se tratando de torcedores obsessivos, o número deve chegar tranqüilamente a 200 horas. Sejamos, porém, modestos, e voltemos às 57 horas iniciais, para resumir e fechar o texto.
68,5 = (temos-todo-o-tempo-do-mundo X demorô-já-é)
Todo colorado que acompanha o Brasileirão dedica ao clube – no mínimo, ao ano – 57 horas de sua vida, tempo em que o Internacional permanece em campo para disputar o título da Primeira Divisão. O clube, por sua vez, precisa entender, de uma vez por todas, que todo o esforço feito interna, administrativa e desportivamente por seus comandantes e comandados reduz-se a essas 57 horas em campo. Nessa mísera fração de tempo anual (lembremo-nos de que em geral dormimos 2920 horas por ano [365 x 8]), o clube pode passar do nada que se instaurou em 1979 ao título de campeão em 2013 (o mesmo que nos foi surrupiado à mão-grande e de maneira discreta, respectivamente em 2005 e 2009). Não queremos ratos no comando da embarcação alvirrubra. Chega de desculpas esfarrapadas! Luigi, Dunga e Paulo Paixão, resolvam esta pendenga.

Imperativamente,

CdP, 
Conselheiro perpétuo
Ilustração: Henze Saci