sexta-feira, 9 de julho de 2021

Larga a Fanta!

Noite dessas passei delirando num semissono danado, como tantas outras intranquilas e maldormidas das quais despertei metamorfoseado num baratão. Limito-me a relatar a parte a ver com o leitmotiv deste bulogue.

Saturado de dívidas, campanhas medíocres, falta de caneco (sequer Gauchonga), contratações e renovações esdrúxulas, flertes com a Segundona, cagadas a torto e a direito, enfim, perigando soçobrar contra os escolhos mas sendo impelido no instante derradeiro a uma guinada providencial, qual seja, aderir à tendência dos clubes-empresa — a partir do bem-sucedido exemplo do Redbull Bregantino a.k.a. Energético, que mês passado nos comprou o xófen Práxédis (pronúncia nordestina), quando deveria ter sido o contrário — calhou de o Clube do Povo ser vendido à Fanta (pertencente à Cueca-Cuela Company), que aliás tem uma história fantastisch, com origem no Terceiro Reich graças à Phantasie/Fantasie* que rolava na incrível fábrica de refrigerante, logo se tornando a bebida predileta do Führer (podia faltar qualquer coisa no Bunker, menos ela); finda a guerra, os ianques (com seus tanques) tomaram posse da marca e, nas décadas subsequentes, foram emplacando diversas versões mundo afora  Heil, Fanta!

* Ué, o nome Fanta não vem de anta?

Minha hipótese é de que Fanta remonte ao Fantomas (1911)
Coincidência ou não, tem até um DJ...

Com isso, após muito brainstorming inútil duma força-tarefa composta por poetastros e marqueteiros à procura do nome pra rebatizar o S. C. Internacional, eis que o Saci, correndo por fora num pé de vento, soltou estrepitoso peido a.k.a. pum a.k.a. traque a.k.a. flato (se o soltou, foi porque estava preso) e — heureca! — matou a charada: Sport Club Fantacional©. Ato contínuo, disparou torpedo ao presidente (que, embora promovido nessa nova ordem à condição de enfeite, como um monarca no parlamentarismo, portanto não dando mais as cartas nem nada, ainda gozava de certa ascendência), e ele teve a felicidade, a lucidez de achar “genial”, “superperfumado”, “sensacional” etc. o meu insight, prometendo convencer os responsáveis pelo projeto. Dito e feito! 

Protótipo do lôgo a ser estampado na frente do manto 1.

Protótipo do lôgo a ser estampado na frente do manto 2.

A essa altura, já estava eleito o sabor do refri: Laranja, do qual Pindorama é o maior mercado mundial. O próximo passo foi repaginar escudo e uniforme. Surgiram quanto às cores duas ideias, em princípio simples: botar laranja no lugar ou do branco, ou do vermelho — esta opção com a vantagem de deixar bem leve o visual se comparada àquela, além de remeter à “laranja mecânica” e seu carrossel (tipo o lôgo do Blogger, laranja sobre branco), bem como ilustrar melhor o produto. Contudo, branco com laranja (alviflâmeo, alvilúteo) modificaria deveras a identidade do Inter, não mais lhe cabendo o epíteto “Colorado” (quem sabe num terceiro uniforme). Em contrapartida, a despeito de nos livrarmos do indefectível “branco-sujo”, vermelho com laranja (rubrolúteo, luteirrubro) ficaria meio carregado, como a nossa Camisa 3 Adidas 20/21 (promo -60%) com que pretenderam homenagear o poente do Guaibão (talvez ela tenha desagradado a torcida antes por ser listrada do que pela combinação), ou nem tanto, como o Shorts 3 Internacional 20/21.

 A curiosa história da Fanta

Adveio então uma terceira via, que se poderia dizer dialética: o amarelo-fanta no lugar do branco! Quem se apressou a objetar que a cor em apreço é o laranja, em consonância com o sabor (ambos com função sinestésica, i.e. cor e nome da cor ajudando na percepção do gosto como sendo o do próprio suco da fruta, só que melhor porquanto frisante etc.), ouviu como tréplica serem o vermelho e o amarelo cores primárias de cuja mistura — todo mundo o sabe desde a creche — obtemos o laranja! Desconheço clubes com essas duas cores (achei o Syrianska FC, clube sueco fundado em 1977 por refugiados arameus/siríacos e que, pelo visto, tem a Adidas como fornecedora — apesar de na página oficial o ex-treineiro estar vestindo Nike). De qualquer modo, o amarelo — e mesmo o amarelo com vermelho — não deixa de ser familiar à torcida colorada: outrora, por ocasião do centenário, tivemos a camisola Reebok dourada (maionese radiativa); depois a Internacional III 2014 Nike (amarelo-canário), comemorativa da Copa do Mundo; agora temos a Treino 21/22 Adidas (amarelo-enxofre), o Moletom Treino (idem) e a Goleiro Internacional II 21/22 (amarelo-pintinho mesclado). 

Colorado: de alvirrubro a flavirrubro.

Ademais, se considerarmos semioticamente a cor do relvado na composição, estaremos diante da bandeira do Rio Grande do Sul, ao passo que, se nos limitarmos às cores do recém-nascido clube-empresa, aludiremos ao cartão vermelho e o amarelo. Ou seja, tudo a ver com tudo!

Quanto ao escudo, basta trocar o I por F (além do branco por amarelo) — minhas habilidades em design se resumem ao Paint, por isso vou ficar devendo a figura.

Se quiser continuar sendo mascote, o Saci terá de dançar conforme a música... (Tequila Sunrise na veia!)

Como a grana pra reforços deixou de ser problema, poderemos bancar reforços de peso; e.g. realizando o sonho dalgumas saudosas viúvas ao comprar de volta o Zyklops (aglutinação de Nico Lopes + síncope do e → Niclops; N girado no sentido horário → Z; iy; ck; pronúncia como Cyclops em inglês, porém com Z → “Záiclops”), mesmo saindo bem mais do que o preço de venda, pois ele se valorizou muito no endinheirado Tigres após sofrer mutação enquanto sua equipa disputava o Mundial no Catar, mutação essa que não apenas o deixou com um zoião em vez de dois zoinho, mas que também lhe alterou o nome de batismo (por acaso hoje, dias depois de eu ter escrevinhado essas linhas, me deparei com a notícia de que o Ajax estaria interessado no atacante dentuço).

Clube-emplesa não é pla quem tem o labo pleso!

Tal como ocorre com outros patrocinadores da dupla brenau, obrigados a agradar nestas bandas a gregos e troianos (e.g. a recente estreia da Americanas no mundo da bola), a Fanta decerto fechará também com o Gremo, na versão Uva (provável nome: Fantêmio).

Os grandes que se liguem porque, quando até o Íbis se assanha no mercado, não dá pra bobear!

ファンタ Beba com imoderação!

NOTA:
O título deste póstch vem do Ludopédio a.k.a. Noticioso Colorado: esses tempos o Sandroka's (a.k.a. Sandro Luís), em reação ao Skrotinho 2 (a.k.a. DeLeo a.k.a. Leozinho Derrota) disse-lhe “Para de tomar Fanta”, a seguir isso virou galhofa pelo Djamarro com “Larga a Fanta” etc., também o Reinato Rolim et alii, e eu daí entrei na onda. Me dei ao trabalho de fazer uns prints, mas a definição ficou ruim (igual poluiria o visual). As principais bostagens são as seguintes (Ctrl F Fanta):
https://noticiosocolorado.blogspot.com/2021/05/libertadores-2021-olimpia-par-x.html
https://noticiosocolorado.blogspot.com/2021/05/cabra-2021-internacional-x-sport-30-05.html
https://noticiosocolorado.blogspot.com/2021/06/internacional-x-ceara-varzileirao-5.html


O referido é verdade e dou fé.

Henze sapiens saciensis 

Wintergatan - Marble Machine (music instrument using 2000 marbles)

P. S. [10/7/21]: segundo informes confidenciais, não foram satisfatórias as primeiras tentativas de adaptar o escudo do clube, i.e. apenas trocar o I pelo F, entrelaçando-o com o S e o C; por sua vez, a empresa acenou com uma remodelação total, algo que expresse melhor a parceria, cf. imagem infra.

sexta-feira, 11 de junho de 2021

Pergunte ao cão!

 

PLAY ANTES DE COMEÇAR A LER (SEM PRESSA)

Shakuhachi [The Japanese Flute] - Kohachiro Miyata (Full)   

Certa manhã,
após banharem-se
nas abençoadas
águas
do Rio Guaíba,
Ramirezu Sensei *
e seus discípulos
caminhavam
pelos domínios
do templo
Parque Gigante,
quando um deles
lhe perguntou
afoito
— O que é o zen,
afinal?
Então o mestre,
apontando um cão
deitado à beira
do
passeio,
disse:
— Pergunte ao cão!
E o cão,
por sua vez:
— Pergunte à pulga!
E a pulga:
— Pergunte ao pó! **
E o pó:
— Pergunte ao popó! ***
E o popó:
— Pergunte ao popô!
E o popô:
— Pergunte ao pipi!
E o pipi:
— Pergunte ao pum!
E o pum:
— Pergunte ao polvo! ****
E o polvo:
— Pergunte ao MAR! *****

ꙌꙌꙌ



* Ramirezu é como fica em japonês o nome de nosso "estagiário de luxo"  o R é sempre líquido (que nem no alemão: 'Reich'), i.e. pronuncia-se igual ao nosso R do meio (e.g. 'caReca')  e Sensei (mestre, professor) pronuncia-se 'sensê'.

** Pergunte ao Pó  — romance de John Fante (Ask The Dust, 1939, prefaciado 40 anos depois por um tal Charles Bukowski, que o tinha por ídolo); virou cult entre neobeatniks et alii (muito narigão deve ter entendido o pó" do título como lhe convinha pragmaticamente e talvez se decepcionado com o conteúdo). A primeira tradução no Brasil (1984) foi feita pelo Paulo Leminski, em edição da extinta Brasiliense (logo adquirindo status de fetiche e raridade), incensada como "lendária", "obra-prima tradutória" etc. Casualmente, dia desses vi o livro na vitrine dum sebo, perguntei o preço, achei caro e dispensável... dias depois estava ainda ali... então, na manhã chuvosa de ontem, quinta 10/06/2021 (data do 2º. xoco mata-mata sem mamata contra o Fitória pela Cobra2021), enquanto eu escrevinhava estas linhas da "bostagem" ("póste" em dunguês), resolvi pegar na estante a minha edição (Ecco, NY 2002), e dando uma relida no último capítulo, fui tomado pelo impulso de sair correndo rumo ao referido sebo, sem guarda-chuva nem nada, e fui o mais rápido possível, com medo de que qualquer delonga poderia ser suficiente pra algum excomungado chegar antes... graças a Hermes a.k.a. Mercúrio, o repentino objeto do desejo continuava estava no mesmo lugar... e sendo atendido pela vendedora talvez meio assustada com meu aspecto de possesso, me pus a disfarçar o interesse... Enfim, admito ser fetichista em matéria de livros (i.e. um bibliófilo amador e punheteiro, de parcos recursos), com mania de cotejar traduções de tantas línguas e edições a que tiver acesso. Será que esta é o bicho mesmo? (A tradução lesminsquiana do Satyricon, direta do latim, também pela Brasiliense, eu não curti... Aliás aproveitei a ida ao sebo pra comprar baratinho uma tradução que eu achava que não tinha, a do Marcos Santarrita, Civilização Brasileira, 1972, bem conservada, e em casa vi ser a mesma da Abril Cultural, 1981, porém com "Apresentação" e texto nas orelhas; fechando o pacote, peguei — ou melhor, fui pego! a novelinha me achou — Carmilla: Morrer de Prazer, seguido de Chá Verde, da de Sheridan le Fanu, Col. Cantadas Literárias, 1985.)  Voltando ao Pó: quanto ao título, observa o seguinte: "Ocorre porém, que o verbo to ask, em inglês, também pode significar 'pedir', 'pedir o jantar', por exemplo: 'Peça o Pó'? Por fim, to ask, ainda, significa 'convidar': 'Convide o Pó'. Esse pó de palavras que Fante espalhou por tantas páginas." Hmm... (Em Portugal ficou "Pergunta ao Pó".) Disponível em catálogo, tem a tradução do também curitibano Roberto Muggiati (2003), decerto mais "sóbria" que a pioneira (Leminski, sensei de judô, completaria 45 invernos quando a cirrose lhe deippon, i.e. xeque-mate). No mais, Hollywood a.k.a. Oliú fez uma adaptação palha pro cinema (2006) — menos mal que eu já tinha lido no século passado (leitura que me pegou em cheio). A propósito, na narrativa tem cão — mais especificamente, cachorinho (sic)...

*** popó: "sm coloq Vaso para urina e dejeções de uso noturno; penico, urinol." (Michaelis).

**** polvo: em espanhol "sm 1 Pó, poeira. [...] 2 heroína (droga). EXPRESSÕES: echar un polvo ter relação sexual." (Michaelis).
https://pergunteaopolvo.com.br/

***** MAR: monograma de Miguel Ángel Ramírez; a anedota em versos foi composta antes de sua iminente demissão.


Nota 1
No intuito de evitar suspeitas de plágio, e ainda de que constatem a extrapolação da ideia original nesta minha paródia séria (pois também encerra algum ensinamento zen), revelo aqui a fonte: → Learning Zen from a Dog
Na historinha, após todos se banharem o discípulo pergunta ao mestre o que deveria compreender... daí o mestre lhe diz pra se espelhar num cusco que por ali lagarteia, e o discípulo retruca que não quer aprender com aquele cão... o mestre lhe indica outro, o discípulo insiste em dizer que não tem nada a aprender com cão nenhum porque só sabem dormir, comer e reproduzir-se, ao passo que ele tinha procurado o mestre justamente a fim de libertar-se disso... ao que o mestre encerra a conversa respondendo que ele, o discípulo, também comia e dormia... (E a reprodução?) Enfim, me faz lembrar Diógenes de Sinope a.k.a. O Cínico, patrono deste blogue cânico.

P.S.: dada a polissemia de cão, "Pergunte ao cão!" pode equivaler a "Pergunte ao diabo!", i.e. "Vá pro diabo que carregue!". 

Nota 2
Tomando por base A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen (2011), de Eugen Herrigel (Zen in der Kunst des Bogenschießens, 1984 — literalmente, "Zen na Arte do Tiro com Arco"), onde o ato de mirar mais atrapalha do que ajuda a acertar o alvo, podemos dizer que no esporte a obsessão pela vitória tende a levar à derrota. Assim, no futebol a.k.a. ludopédio a.k.a. balípodo a.k.a. 'calcio' a.k.a. ποδόσφαιρο, a maestria só pode ser alcançada quando a intenção ou pretensão de ganhar o jogo — portanto de fazer golos e não tomá-los — é esquecida e deixa de existir; a própria ideia de vitória, empata-foda e derrotinha perde o sentido, pois o importante é o aprimoramento da técnica, da habilidade, da estratégia, do preparo físico e mental, do entrosamento, da capacidade de improvisação e superação nas mais diversas circunstâncias, da abstração contemplativa, do insight, do estar presente em comunhão com o Todo, o Nada, a transitoriedade. A essa arte podemos chamar de futebol zen, o qual deve prezar a meditação sem perder a ludicidade; no caso de clubes profissionais, só será possível se houver também uma torcida zen (o Inter miguélico evoluiu bastante nesse sentido). 


Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris.

"Lembra-te, homem, de que és pó e ao pó voltarás". Palavras de Deus a Adão após o pecado original, na tradução latina da Vulgata (Gênese, 3, 13); repetidas pelo padre quando, na quarta-feira de cinzas, marca de cinza a testa dos fiéis. Memento homo, quia é título e estribilho de um poema de Alphonsus de Guimaraens. (in: Paulo Rónai, Não Perca o seu Latim, 1980.)

Ut recte valeant!

HEZEN SAKE
a.k.a. Henze Saci