sexta-feira, 1 de março de 2013

O NOVATO

Tá na roda o segundo texto do Gamarra, meio outdated segundo ele próprio. Que seja. Apesar de que a validade em questão é renovável e relativa...

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O NOVATO

 
Recebeu apenas uma ligação. Já era esperada. Estava tudo certo. Quando chegou foi buscado no aeroporto e foi levado direto ao seu futuro ambiente de trabalho. Bastava passar na perícia médica e assinar o contrato de trabalho – “regido pela CLT, por incrível que pareça” – pensaria, se soubesse o significado da sigla CLT. Encerradas as formalidades foram reunidos seus novos colegas de trabalho e foi feita uma breve apresentação coletiva do recém-chegado.

Então foi deixado só. Estacou diante de um banco onde haviam deixado o seu material de trabalho e contemplou pelo que pareceu um instante aquela camisa vermelha que tanto significado tinha para ele. “Tá dormindo, aí?”, aproximou-se o zagueiro de apelido sugestivo para um time bicampeão da Libertadores da América, “Quem é teu padrinho?”, perguntou de supetão. Antes que pudesse se recuperar e tentar elocubrar alguma resposta ouviu: “Aqui o negócio é o seguinte, joga quem tem parte com o pessoal lá em cima. Se tu não tem nada ajeitado eu posso te indicar um cara que mexe com isso, pq senão eu me encarrego de dar um jeito em ti no treino mesmo, capisce?

Ainda matutava sobre a impressão que causara nele aquela conversa e se perguntava o que poderia ter acontecido se tivesse tomado outro caminho. Olhou em volta e viu aquela multidão que vaiava enquanto ele e seus colegas voltavam cabisbaixos do vestiário. Notou que nada mudaria, pois não havia alma naquele grupo. Eram como putas. Se sentia sujo por vestir dessa forma a camisa vermelha que para ele já fora símbolo de garra, paixão e entrega. Repetiu como um mantra que fizera o que era necessário para dar conforto para sua família. Mas isso já não funcionava, ele se sentia menor, incompleto.

Ainda mirava um ponto indefinido do horizonte, sentado na sacada do seu confortável apartamento, quando foi interrompido, “Vô, vooooô, tá dormindo aí?”, levou um susto. Havia muito que quando ouvia aquela frase sentia o estômago embrulhar. Engoliu em seco e virou a face com dificuldade para encarar o neto, que trajava uma camisa vermelha, que já não lhe trazia boas recordações. “Vô, me conta de quando tu era jogador?”, suspirou, repetiu automaticamente o mantra há muito ineficaz, e se preparou pra mais uma sessão de mentiras dolorosas, pelo bem da sua família.


 
Gamarra Django